O Cara do Joinha

Já eram 18h, ônibus lotado. E lotado daquela forma especial em que as pessoas ficam “enmuradas” na porta. Sim, enmuradas, o estado em que seu corpo estaciona no espaço-tempo e que qualquer tentativa de lomocação é ignorada pelo universo.

Às vezes concluo que o transporte animal é dado de forma humana, e o transporte humano é dado de forma animal. Talvez alguém embaralhou as coisas na hora de criar o sistema público de transporte, ou o cidadão se descuidou nas palavras quando criava a licença de transporte bovino e a daquele bairro super-populoso que possui só uma linha para o centro da cidade.

Você alguma vez na vida já foi o cara do joinha? O cara do joinha é aquele que, dada a condição subhumana do coletivo, avisa ao trocador/agente de bordo lá na frente quando a porta de trás pode ser fechada levantando a mão e fazendo um joinha para o teto. Isso acontece geralmente porque o espelho que inicialmente deveria ajudar o agente de bordo fica tampado por pessoas tornando a visualização do mesmo bem difícil. Quando este caso acontece, há uma pequena chance de aparecer uma boa alma que, ao descerem todas as pessoas que queriam ficar naquele ponto (tarefa que demora por causa da espremida e os incansáveis “com licença”), avisa o nobre economista do coletivo que a porta já pode ser fechada e o carro a seguir viagem.

Em um certo dia, por sorte, muita sorte, sortíssima, eu estava sentado. E dada a condição do coletivo, tinhamos um cara do joinha lá na porta de trás. Ótimo, “é gente ajudando gente”. A cada ponto, o ônibus parava por cerca de 1 ou 2 minutos por causa da dificuldade que as pessosas enfrentavam para descer. É muita gente, muito empurra-empurra e uma doce alma sempre resolve querer descer quando a porta se abre mas está ao lado do da catraca, depois que já pagou passagem.

Tudo ocorria dentro da normalidade até que chegamos em um ponto em que se passou 1 minuto, 2 minutos... 3 minutos... no 4º minuto as pessoas começaram a ficar impacientes e diziam ao justo condutor para ir embora ao mesmo tempo em que procuravam como canibais quem mais naquele formigueiro iria descer. O trocador ficou esperando o cara do joinha mas nada dele levantar a mão. Estranho.

Quando até a demora me incomodou, olhei pro lado procurando o cara do joinha e cadê ele? O cara tinha descido naquele ponto e todos os presentes deram os ombros para isso e ficaram aguardando um fantasma levantar o braço ou outro voluntário o fazer.

Eu nunca vi tantas pessoas xingando o cara do joinha, o cobrador, o motorista, elas mesmas e mais quem estava na rua ao mesmo tempo. Era um xingatório em massa e todos eramos vítimas e criminosos. Meu cérebro começou dar lapsos de confusão pois pensei que deveria dar um soco na minha pórpria cara porque eu também participava daquela estupidez coletiva.

Por fim, o barulhão cessou depois que o motorista fechou a porta e engatou a primeira. Alguns ainda insistiam em xingar o cara do joinha, o cobrador e quem estava perto da porta traseira mas a vontade de chegar em casa era deveras maior.