O Chauffeur do Satanás

Antes de iniciar o causo, gostaria de enviar meus sentimentos para os usuários de transporte público de Contagem/MG. Eu pensei que teria de ir para uma cidade mais distante de um grande centro urbano a fim de provar um meio de locomoção mais insano.

Nos últimos meses tenho utilizado transporte coletivo do município Contagem como meio de locomoção até a faculdade. Pra quem não sabe, Contagem é uma cidade vizinha de Belo Horizonte (onde moro) mas que você só sabe que está nela quando a cor dos coletivos que passam na rua muda ou quando as pessoas começam a falar que foram lá em Belo Horizonte resolver alguma coisa.

As experiência que tenho com coletivos contagenses não são boas. Os veículos são aparentemente mais velhos e mais desconfortáveis que os de BH, possuem elevado percentual de gente estranha, apresentam falta de manutenção anual entre outras características que me assustam.

Pois bem, estava eu voltando da aula logo após a hora do rush da tarde, assim evitava de pegar um coletivo lotado que só tem uma porta de saída para evitar homicídio culposo (sem intenção de matar) ou genocídio (quando eu de fato preciso descer NAQUELE PONTO!).

Apesar da escolha de um horário mais flexível, o coletivo que vai até próximo a minha casa funciona como uma balança da destruição. Ou você sente a fúria do excesso de passageiros que dão sinal lá perto do trocador pra descer naquela maldita porta minúscula no final do ônibus ou você sente a fúria do coletivo vazio sendo conduzido pelo chauffer do satanás.

Eu sempre preferi o chauffer do satanás pois conseguia me manter até que bem equilibrado e chegar em casa sem muitos hematomas.

Até hoje.

Certa noite estava eu tentando me manter freneticamente parado (é um paradoxo mas que faz até sentido na prática) dentro do coletivo para não ser arremessado para fora quando subitamente algo totalmente inesperado aconteceu. Após uma lombada que possivelmente deixou marcas na pista, tudo ficou suave. Sem mais buracos, sem mais componentes mal lubrificados gerando sons irritantes, sem terremoto naquela lata enorme dos anos 80.

Foi tudo tão sereno que achei estranho. Fui verificar o tal asfalto “tapete” para paz tão imensa dentro do coletivo e ensaiei colocar a cabeça para fora da janela.

Possivelmente este foi um dos piores erros da minha vida.

Não é possível que dentro da cidade um ônibus suicida conduzido pelo chauffer do satanás fique rodando sossegado. Cheguei a refletir sobre minha morte e que agora estaria numa espécie de “highway to hell” ou “starway to heaven”.

Quando enfiei a cara na janela todo curioso pra saber o porquê daquele paraíso de asfalto percebi que o coletivo na verdade estava era suspenso no ar pronto para um ataque apocalíptico no chão.

Infelizmente não deu tempo de reagir quando percebi que, na verdade, eu era passageiro de uma bomba pronta para arrebentar tudo que visse pela frente. A carroceria bateu no chão com toda a força possível e, com esta mesma força, minha testa bateu no suporte da janela.

Escrevo este texto com um belo galo na cabeça ainda relembrando o momento exato em que tudo que fiz foi gritar mentalmente “AGORA FODEU!!”. Foi o xingamento mais honesto de toda a vida, estou espantado com a honestidade do pensamento até agora.

O chauffer do satanás cumprira sua missão. Hoje eu tenho certo orgulho pois só uso este coletivo para ir até meu centro de estudos e não mais para voltar, já que agora ando uns 2500m morro acima para pegar um outro ônibus só que de BH e que me deixa um pouco longe de casa, só que vivo.