O Mumm-Ra brasileiro

Estatisticamente, as coisas mais inusitadas em que percebo no transporte coletivo acontecem sempre nos horários em que há maior concentração populacional. Porém certo dia fui pego de surpresa. Era tudo previsível naquela tarde voltando do trabalho: o empurra-empurra, o spoiler da novela das 9, o calor, a dor nas costas, o cara que grita e vende bala ao mesmo tempo, etc.

Estava eu em pé procurando ar e tentando abrir aquela janela no teto do coletivo quando observo um senhor de idade muito avançada, que estava próximo ao motorista, passar insistentemente a roleta e ficar no meio daquele labirinto dinâmico e infernal em que me encontrava. Este aristocrático senhor demonstrava muito cansaço além de demasiada fraqueza para se manter em pé. Era triste, de verdade.

Claro, nenhuma boa alma deixa o velho sentar (fingem que não estão vendo) e só me resta ficar extremamente puto, principalmente para os abomináveis que sentavam nas cadeiras preferenciais e não apresentavam qualquer razão para dormirem lá.

Depois de alguns minutos, uma moça, sentada na minha frente, se levanta para descer do coletivo e nisto vejo que aquele senhor poderia ocupar o lugar. Porém antes que eu pensasse em virar meu rosto pra ver se achava o bendito, desce o Mumm-Ra e os antigos espíritos do mal naquele ônibus incoporado no corpo do ancião. O nobre senhor consegue, em humildes 0.7 segundo, pular cerca de 4 metros dentro do coletivo lotado e aterrisar naquele lugar que sequer dispersou o mínimo de calor que o último usuário deixou ali.

Fiquei espantado olhando por vários minutos para aquele senhor. Tudo que consegui pensar durante um bom tempo foi naquele cidadão chamando o Abutre, Chacal e Escamoso além de invocar os antigos espíritos do mal. Foi um momento esquisito, porém intrigante. O único revés é que fui atingido pelos rápidos movimentos obscuros do fidalgo portador de cabelos brancos.