O Pinça

Hoje foi um dia raro. Por algum motivo ainda desconhecido eu estava posicionado dentro um coletivo relativamente vazio. Metade das cadeiras estavam ocupadas. Isso me preocupa e me deixa feliz ao mesmo tempo.

Enquanto escuto minhas músicas aproveitando para reparar em como o chão do ônibus é intrigante, reparo que um senhor relativamente obeso entra no veículo. Com sua calça apertada e camisa social meio aberta pelo demasiado calor do dia, ele se senta no primeiro lugar vazio que vê depois de se espremer um pouco na roleta.

Tudo na paz até que o momento da troca entre uma música e outra percebo que o celular do amigo toca. Foi facilmente notado porque era um berrante ou algum instrumento medieval que simulava um som de um boi e o senhor tomou um susto colocando a mão sobre a calça para ter aquela certeza absoluta de que só podia ser seu aparelho eletrônico a alertar todo o coletivo.

Pois bem, meu mp3 paraguaio começa outra música e não escuto mais o mundo lá fora, apenas observo o cidadão tentar pegar o celular no bolso. Este, num primeiro momento, tenta enfiar a mão inteira no bolso .... não consegue. Num segundo momento tenta enfiar o polegar e o indicador, como uma pinça, mas sem sucesso, a passagem do bolso estava completamente bloqueada.

Permitam-me explicar com mais detalhe a situação. Dentre inúmeras alternativas, não sei se foi o cara que comprou um número a menos ou a calça encolheu ou ele engordou mais, mas o fato é que a vestimenta estava bastante colada no corpo dele. De fato era um número menor do que deveria usar.

Quando o cidadão sentou na cadeira, a gordura localizada na perna dele se espalhou, tornando a calça mais apertada ainda e fazendo com que todos os bolsos fossem consumidos por um único tecido que envolvia a perna inteira daquele nobre senhor. A calça não tinha mais bolsos, tornara-se uma segunda pele, uma peça de arte para um artista com a inspiração certa.

Assim que vi que o prezado não conseguiu puxar o aparelho nem mesmo com a técnica da pinça de mão, este optou por outros métodos alternativos para tentar recuperar o tal celular. Ai eu parei a música, queria acompanhar com mais detalhes.

O bichinho continuava a tocar e o cara continuava com a pinça sem efeito. Era o Homem-Pinça em ação. Assim que percebeu que de jeito nenhum o celular seria extraído da sua agora segunda pele, decidiu dar pequenos pulinhos pra ver se a calça liberava espaço e o buraco do bolso aparecia. Absolutamente curioso, achei por alguns instantes que aquele homem fosse físico teórico, pois sabia o que estava fazendo... ou não.

Novamente sem sucesso, na quarta tentativa do pulinho combinado com a pinça me pareceu que ele machucou seu dedo indicador. Isto porque quando conseguiu dar um pulinho no banco e abrir de uma forma mágica 1cm³ de bolso, houve tempo apenas para enfiar os dois dedos no bolso mas não de puxar o aparelho de volta. E assim ele esmagou a própria pinça quando suas nádegas voltaram a beijar o assento.

Após esta falha, portanto, continuava a gritar o berrante. A ligação era insistente.

O nosso impaciente trabalhador começou a ficar desesperado. Agora levantou apenas uma nádega, aquela do lado do bolso que queria acessar. Tentou uma nova técnica para extrair o dispositivo do bolso: A técnica do arrastamento exterior. Este método consiste basicamente em você ficar arrastando o objeto que se quer tirar do bolso com as mãos mas por fora da calça, levando o artefato até a saída para que ele possa ser utilizado fora do recipiente sem delongas.

Deu pra ver que o celular se moveu, mas não o suficiente para sair do bolso, a saída realmente estava bem difícil.

Continuava a berrar o bendito.

Por fim, pensei que ele iria se levantar e pegar o telefone, porque assim a calça iria aliviar um pouco a pressão que fazia nas suas pernas.

Negativo. Ele demonstrou estar puto da vida, envergonhado e cansado demais com a missão fracassada. Sentou-se normalmente e deixou tocar.

Liguei minha música de novo. Quando ele se recuperar deste episódio verá quem o ligou. Espera-se que não tenha sido nada importante.